segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Ganhar a perder ou vice-versa
Vivemos, não sei se o termo será o mais indicado para a situação a que me vou referir atendendo a que o vulgo não chegou a viver o momento, tendo apenas passado por ele sem qualquer grande entusiasmo, o que por si só já é significativo, mas, já que o utilizei, vou assumi-lo e até terei de repeti-lo para dar continuidade ao texto. Vivemos , cá está a repetição prometida, há relativamente pouco tempo, dois processos eleitorais, um para encontrar o governo da nação e outro para escolhermos os responsáveis pelos destinos das autarquias.

Em tempos idos também já fui presidente de junta. A minha terra, os Fóios, está geminada com a aldeia espanhola de Eljas, as Ellas, na língua local, e tem sido tradição anualmente fazer-se um magusto comum no qual, para além dos comes e bebes, com iguarias de ambas as freguesias, acontecem outras actividades de cariz cultural, com intervenientes de uma e outra aldeia. E foi no meu primeiro magusto como presidente de junta , nas Ellas, que um amigo dessa aldeia teve este desabafo para comigo:

"Maire, Quim, como te has metido en esto, tu, que eres tan buena persona!?..."

Confesso que na altura fiquei algo desconcertado. Pensava que participar activamente na resolução dos problemas da minha terra só poderia dignificar-me. Afinal o que é que o amigo Felix sabia sobre os políticos que eu não soubesse? Não é a política a arte de governar?E a verdadeira política não deve fazer-se de forma honesta?

Mais tarde compreendi perfeitamente o sentido profundo daquelas palavras. É que o amigo Felix já sabia que a prática dos "políticos" havia operado uma inversão dos valores da própria política e que a grande maioria dos candidatos a lugares públicos se candidatavam mais na mira de se servirem do que de servir.

Voltando aos processos eleitorais que recentemente tiveram lugar, nenhuma força política perdeu, ou melhor, saíu derrotada. Pelo menos parece-me a mim que ninguém veio a público assumi-lo claramente.
A nível nacional o partido socialista foi o que teve mais votos e mais deputados. É verdade que passou a ter menos cerca de 20 deputados na Assembleia , dito de outra forma, deixou de ter- será desajustado dizer que perdeu?-a maioria absoluta, mas apesar disso, foi o partido que ganhou. Ganhou, perdendo.

Apetece-me dizer aqui que ainda bem! Ainda bem que ganhou. E ainda bem que perdeu. Porque, "para melhor está bem, está bem, para pior, já basta assim", esta perda o vai obrigar a governar de forma mais dialogante, com mais imaginação, mais criatividade, mais consideração pelas ideias alheias, em suma, de forma mais socialista.

Nenhum dos outros partidos, quer à esquerda , quer à direita. assumiu qualquer fracasso. Pelo contrário, todos eles terão melhorado os resultados comparativamente com as anteriores eleições legislativas. Perderam, ganhando.

Falando agora de política local, é verdade que houve um candidato e um partido que obtiveram mais votos, Robalo e PSD. Indiscutivelmente, foi, portanto, a lista vencedora. Mas terão realmente ganho?
Também é verdade que o Toni e o PS obtiveram menos alguns votos do que a lista do Robalo e do PSD. Não ganharam, portanto. Porém terão realmente perdido?
Bem vistas as coisas, registou-se um empate técnico de três a três, que tudo poderá emperrar, se não houver muito bom senso, muito diálogo, muito entendimento.
E aqui entra em acção o sétimo vereador, eleito pelo Partido da Terra, Joaquim Ricardo. Este candidato e este partido ficaram em terceiro lugar na votação.Não ganharam, portanto, ficando até muito longe disso. Todavia Joaquim Ricardo, sinceramente não sei quais as suas apetências pelo poder, mas sei que ficou numa situação privilegiada e, neste momento, possui uma força que, não sendo provavelmente a que ele queria quando se candidatou uma vez que, talvez almejasse ser presidente, lhe dá o papel de fiel da balança. Perdendo, ganhou.

Por conseguinte, todos ficaram a ganhar nestes dois processos eleitorais. E para nós, que somos o mundo, é óptimo que os governantes desse mundo comecem a governar felizes. Pode ser meio caminho andado para o sucesso. Pode ser que assim evitemos chegar ao ponto de ter de lhes dizer que estamos políticos com os políticos.

Esperemos, então, que a política possa ser na prática aquilo que é por definição: arte de governar com honestidade. Não sei se é pedir de mais...Mas sonhar não é proibido, aliás "pelo sonho é que vamos".
Termino com com um poema que fala de sonho e de flores.

SONHO
Alavanca,
Motor de arranque,
O sonho faz-nos mover,
Partir,
Ir,
Ainda que não cheguemos
Aonde imaginámos,
Que não alcancemos
O que desejámos,
O que sonhámos.
Chegar,
Saborear
Do fruto a doçura
Nem é o mais premente,
Se não houve fruto,
Valeu a pena, somente
Pela beleza da flor,
Das flores a formosura
Vária,
Na forma deslumbrante
E no colorido cativante,
Da linária,
Ou da papoila dançante
Na fresca aragem
Ou da orquídea selvagem
E atraente
Ou, simplesmente
Bela,
Da gerbera.
E mesmo que não tenha havido flor,
Valeu a pena, pela semente
Que é a confiança no presente
E a crença
De que o amanhã pode ser melhor
Se vivermos
Com entrega e alegria
O dia-a-dia.
O sonho faz-nos mover
E porque nos movemos
Somos.
Joaquim Dias
Estas belas imagens de flores, tomei a liberdade de as retirar do blog do amigo Gastão: naturalidades. blogspot. Para além destas há lá muitas mais e todas bonitas.

domingo, 18 de outubro de 2009

Novos programas de português - A liberdade do professor

Da leitura que fiz da primeira parte do documento que apresenta estes programas quero apenas fazer uma síntese -muito breve- daquilo que achei que poderia gerar alguma controvérsia e ser motivo de alguma discussão e seguidamente tecer algumas considerações.
1. O desenho curricular rege-se pela unidade alargada que é o ciclo, dando às escolas autonomia para gerirem os programas no que diz respeito ao conceito de anualidade.
2. Ao professor é dada liberdade de adaptação dos programas à concreta realidade turma/alunos.
3. Valoriza-se o princípio da progressão por patamares devidamente consolidados.
4. Certas componentes programáticas podem ser retomadas noutros níveis, de dificuldade crescente, sempre na perspectiva de se manter uma forte articulação entre ciclos e de não repetir assuntos de forma injustificada e fastidiosa.

Que os programas pressuponham "uma concepção do professor de português como agente do desenvolvimento curricular" e lhe dêem "liberdade para ajustar o cuurículo ao cenário em que ele se desenvolve"parece ser algo de bom, em princípio, uma vez que esta visão dos assuntos faz com que o programa não se constitua em entrave , apeias, num coarctar da criatividade do professor na sua actividade diária. Porém, há um porém, o professor tem de estar consciente de que deve "ter presentes as metas a alcançar, a todo o tempo, especialmente no final de cada ciclo". Realcei a expressão a todo tempo porque me parece ser claramente limitativa da liberdade concedida duas linhas atrás, apontando ao professor que "sim senhor, tens a liberdade de gerir o programa mas lembra-te de que há metas intermédias a atingir, não é só no final do ciclo que tens que prestar contas..."

Digamos que vai ser bastante difícil pôr em prática esta boa intenção do programa, e em alguns casos poderemos dizer que ainda bem, somente, entenda-se, para evitar gestões do programa aleatórias e radicalmente subjectivas.

O professor é confrontado com a posição da Escola no que diz respeito às planificações anual e de ciclo - as escolas, elas sim, poderão fazer esta gestão, talvez até assumir a decisão de reprovar ou não nos anos intermédios (que não sejam finais de ciclo)-algumas delas já influenciadas pelas sugestões da IGE no sentido de se trabalhar nos diversos grupos disciplinares de forma, diria, corporativa, elaborando-se matrizes de testes comuns para um determinado tempo e para um conjunto de assuntos.

Daqui advém que, se os professores de português de um determinado grupo aceitam que num determinado tempo todos devem avaliar os mesmos assuntos, resta ao professor a liberdade de tratar esses assuntos à sua maneira, o que ainda dá, certamente, pano para muitas mangas, algumas, sem dúvida, de fazerem suar.

A valorização da progressão por "patamares sucessivamente consolidados" vem entortar de novo a linha que estávamos a traçar para o nosso texto e que parecia já seguir a direito. Aceitando que ao longo do ano lectivo há diversos patamares a consolidar( uma unidade didáctica, por exemplo, é um patamar), a não consolidação desses, de alguma forma, devolve ao professor alguma da liberdade que lhe haviam retirado as planificações de escola, pelo menos em termos de tempo de tratamento e avaliação dos assuntos.

A não repetição dos assuntos de forma injustificada e fastidiosa é algo muito importante na abordagem dos programas. Para isso, além da leitura individual e da leitura conjunta nos diversos grupos disciplinares será bom que se efctuem nos agrupamentos reuniões com representantes dos diversos ciclos para se proceder a um trabalho de análise dos programas de que possa resultar uma real articulação que leve à progressão sem fastio.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

GRAMÁTICA?

“…E digo matado porque, sendo verdade que porco que foi morto morto está, também é de ter em conta que o facto de ter sido morto implica, desde logo, e até por imperativos gramaticais, que alguém o tenha matado, ficando logo de fora a hipótese de ter morrido de morte natural, e ainda bem que assim não é porque, se assim fosse, aquele corpo de porco só aproveitaria aos vermes, dos quais, depois de enterrado, seria pasto e repasto, com o prejuízo inerente que daí resultaria para quem o tinha criado com tantos cuidados e canseiras, sem nunca lhe ter faltado com a mais mínima vianda.”
A transcrição com a qual inicio este texto, que espero não seja passivo e possa provocar alguma discussão, foi retirada de um livro que aqui mencionarei algumas vezes, tem o título sugestivo de “ A Pita do Ti Zé Plim”, foi editado pelo Grupo Cultural e Desportivo de Fóios, tem uma escrita capaz de proporcionar alguns momentos agradáveis de leitura, mas é quase um ilustre desconhecido porque não teve uma editora/distribuidora que se encarregasse de o fazer chegar aos locais de venda. Aqui para nós, sem que mais ninguém se inteire porque é feio gabarmos a nossa própria filha, até fui eu que tive o gozo de o escrever.
Esta transcrição foi aqui colocada não de uma forma aleatória. Sim porque ela constitui, de certa maneira, uma pequena lição de gramática e a gramática, ou, se quiserem, o conhecimento explícito da língua, é parte integrante, não podia deixar de o ser, dos novos programas de português que durante este ano lectivo iremos analisar e sobre os quais se trabalhará nas escolas.

Li com atenção a introdução e a 1.ª parte do documento que incorpora os novos “Programas de Português do Ensino Básico” e quero aqui deixar algumas questões e opiniões para reflexão que emergiram da leitura da introdução do referido documento.

“ Os programas que agora se apresentam serão um dia substituídos por outros.”
Quando?
Será que estes novos programas vão mesmo entrar em vigor?
E, se entrarem em vigor, será por tempo necessário a que surtam os efeitos desejáveis?
Não seria bom definir-se um tempo mínimo de validade?
Não se terá andado a brincar demasiado às reformas?
O sistema educativo não terá estado demasiado dependente das vontades políticas dominantes?
O sistema educativo não terá andado demasiado tempo algo, ou bastante, descarrilado?

“ Deve ser instituído ou reforçado, na aula de Português, o ensino da gramática…privilegiando-se antes uma gramática normativa, como ponto de partida para a revalorização da gramaticalidade do idioma”.
Gramática normativa, sim, não posso estar mais de acordo. Tenho é sérias dúvidas de que não se esteja a esgotar o tempo para actuar… A bola de neve tem vindo a engrossar há muitos anos e, pelos vistos, e ouvidos, continua a ter matéria-prima para se tornar ainda maior.
O 25 de Abril, momento mágico de tão boa memória, trouxe a massificação do ensino, é verdade, mas também trouxe a necessidade de se recrutarem, fosse como fosse, e tantas vezes sem qualquer crivo merecedor desse nome, professores das diversas disciplinas, e também, por conseguinte, de Português, na maior parte dos casos de baixíssima competência científica.
Esses professores prepararam outros e os problemas lá se foram arrastando…Já trabalhei com diversos estagiários de Português e, por isso, penso que sei do que falo.
Atendendo aos desvios a que diariamente vamos assistindo, na Escola e fora dela, e que vão ferindo os ouvidos de quem teve formação em gramática clássica, não sei se ainda iremos a tempo de ensinar a gramática normativa ou se a solução não será reformular a gramática, adaptando-a ao uso que se vai fazendo da língua.
E pior será se o sistema demorar mais alguns anos a instituir ou reforçar o ensino da gramática normativa porque tenho dúvidas de que, nessa altura, não se tenha já aposentado a grande maioria dos professores conhecedores dessa gramática.
Como professor que sou, faço questão de afirmar que os problemas que estou a levantar não têm origem nos próprios professores, mas, sim, no sistema. E, por isso, já basta de considerar os professores como o bode expiatório de pecados, não sei de quem porque o sistema parece não ter rosto, mas que não são deles.
“É verdade que na Assembleia lá se vai vendo um ou outro deputado dormido, ou talvez dormindo, não importa para o caso extrapolar sobre qual o particípio mais conveniente, se o passado se o presente, importando, sim, constatar o que é mais do que óbvio, que a Assembleia não oferece o mínimo de condições físicas para os deputados poderem fazer uma sesta retemperadora, sendo uma dor de alma observar os seus estranhos cabeceios indumentariados de fato e gravata…”
Esta passagem foi extraída do livro atrás mencionado e reflecte a opinião do narrador do mesmo sobre a nossa Assembleia, a qual não sei se pode ou não ser tida como o rosto do sistema…
Já agora, quero aproveitar, até porque o assunto parece vir mesmo a talho de foice, para dizer que não deve contribuir de todo para a realização pessoal ser deputado nas condições actuais em que tem vigorado uma partidocracia asfixiante que não dá azo nem asas à criatividade pessoal. Os deputados são chamados, ia a dizer acordados, a votar mas ai deles se não votarem na proposta do partido. O que faz com que antes da votação já quase se possam contar os votos. E nos faz reflectir nas seguintes questões. Será que não há ali gente a mais e que a proporcionalidade não se poderia conseguir com metade dos membros ou até mesmo um terço? Por que razão são tantos e com tanta mordomia? Não seria uma maneira de os cofres do Estado fazerem uma boa poupança se se fizessem uns cortes?
Aproveito também para transcrever mais uma passagem de “A Pita do Ti Zé Plim” em que se fala do 25 de Abril e algo mais e acrescento que a minha opinião coincide com a do narrador, não vá ser mal enquadrada a referência que fiz ao 25 de Abril…
” O nosso general sem medo não conseguiu, por desgraça, aquilo que tanto desejava, demitir o chefe do governo, que continuou grudado à cadeira do poder, na qual viria até a finar-se sentado, porém continuando a governar para além da sua morte, por estranhas obras do Catano (deixem-me explicar que um e fazia parte desta palavra mas, não sei por que motivo, talvez por simples teimosia, recusou-se a ocupar o lugar que lhe era devido no ditongo que integrava e saltou para fora da dita). Ao contrário, e muitos o lamentaram em silêncio, foi o regime que o assassinou numa cilada que lhe armou em Villa Nueva Del Fresno.
Ao que parece, foi por causa da brutalidade desse assassinato que muitos dos freixos que aí existiam terão vindo a secar de tristeza e dor, desde aquele fatídico dia do ano de 1965.
Nove anos e uns meses antes de que Abril nos devolvesse a esperança e a dignidade amordaçadas, quando, naquele dia 25 da melhor memória, o povo, rejubilando, saiu à rua para vitoriar e se unir aos soldados portugueses que faziam cair o velho regime tirano, união, até aqui nunca vista, cuja magia logrou transformar os canos das espingardas em macios caules onde floriram cravos vermelhos de liberdade e de vida.”


“ Se o ensino do Português… se desenrola numa aula específica e com um professor formado para o efeito, isso não significa que nessa aula e com esse professor se esgote, para o aluno, a aprendizagem do idioma e a sua correcta utilização”.
Totalmente em sintonia!
Só que isso pressupõe que o professor está, efectivamente, preparado para o efeito…E que Deus me perdoe, se Deus estiver disponível para se meter num assunto tão melindroso quanto este, e os professores, meus colegas, não me levem a mal, porém eu tenho, como já atrás afirmei, reservas quanto a esta preparação, sobretudo no domínio científico.
Quando a torto e a direito se dão pontapés na conjugação pronominal e se empregam formas como"direi-lhe", “pediria-lha", "ficará-lho" e até em letras de canções se canta "sempre hei-de-te amar", algo vai mal no país da gramática.
E quando na TV, órgão de comunicação de massas, se ouve, num noticiário, algo como”João Pinto não treinou-se hoje com o restante plantel” ou em plena transmissão de um jogo entre clubes de primeira água o comentador diz, a certa altura, ”os jogadores nem sabem o que hádem fazer com a bola”, ou numa reportagem, em directo do local, o jornalista afirma" haviam aqui dois carros quando o prédio desabou " somos forçados a não levar muito a sério os órgãos de comunicação de massas como fontes fidedignas da aprendizagem correcta do Português.

Joaquim Dias