quarta-feira, 10 de março de 2010

NEVOEIRO

Foi em 1934, um ano antes de morrer, que Fernando Pessoa publicou a sua Mensagem. A última frase que terá dito antes de morrer foi "I know not what tomorrow will bring", frase com a qual associa o dia de amanhã a uma opacidade impenetrável. O conteúdo do poema Nevoeiro, com que termina a obra atrás referida, parece ter seguido o mesmo rumo de pensamento, mas tomando como referente o Portugal dessa altura.
Não sei se Fernando Pessoa tinha capacidades premonitórias, ao que parece ainda se terá dedicado à confecção de horóscopos, nos quais, segundo consta, acreditava e os quais também terão sido um complemento para a sua modesta renda, mas que no Portugal actual há sintomas fortes de que uma certa dose de nevoeiro cerrado tem encoberto muita coisa, lá isso há... E a ignorância que daí resulta e vai sendo acumulada não pode augurar nada de bom.
Será que a actualidade que este poema mantém, 76 anos depois, se deve a uma qualidade intrínseca do poema que naturalmente lhe concede perenidade, ou apenas a circunstâncias externas que pontualmente o adequam a uma situação?
Aqui fica o poema.

"Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,
Define com perfil e ser
Este fulgor baço da terra
Que é Portugal a entristecer –
Brilho sem luz e sem arder,
Como o que o fogo-fátuo encerra.
Ninguém sabe que coisa quer.
Ninguém conhece que alma tem,
Nem o que é mal nem o que é bem.
(Que ânsia distante perto chora?)
Tudo é incerto e derradeiro.
Tudo é disperso, nada é inteiro.
Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora! "