quinta-feira, 8 de outubro de 2020

 

Democrático...

ou “viagem  desde o castelo das cinco quinas até aos túmulos de O Mestre de Avis e O Formoso... de escadote”

 

Depois de um longo período de autoisolamento, homem de 68 anos vítima de acidente na via em frente à sua moradia!

Esta frase com que iniciei o texto que me propus escrever, poderia muito bem ser o título bombástico de uma notícia de jornal, ou mesmo televisiva, neste tempo em que as mortes que vão sendo anunciadas são essencialmente aquelas que resultam do efeito maléfico da pandemia, mortes essas que, por força de as ouvirmos diariamente, já não nos deixam a mesma sensação de vazio e dor que nos transmitiam nos primeiros dias. É algo estranho, mas é um facto.

Um tal título poderia provocar reações como “ coitado, a cumprir à risca o isolamento e morre assim, atropelado na via pública?”

Acontece que o tal homem não morreu, nem ficou doido, nem sequer foi atropelado, e que o desastre viário em questão não foi  nem de carro, nem de mota, autocarro ou camião. Tratou-se de um desastre de escadote!

Passo a contar o que se passou. O tal indivíduo cujo nome é... Não !Ele pediu-me que não o nomeasse e, por isso, para não cair nessa tentação, a narração continua na primeira pessoa, fazendo de conta que tudo se passou comigo.

 A moradia que é mencionada no primeiro parágrafo do texto, de cuja varanda se avista o Castelo das Cinco Quinas, característica que torna este castelo único no país e na cidade que já foi vila e cujo nome rima com Portugal,  é uma casa absolutamente normal. Oferece algumas condições para uma clausura em relativo bem-estar, se é que se pode falar em bem-estar numa situação destas...Uma das boas particularidades que possui é que tem algum terreno à volta, o que permite que nos movimentemos nele, fazendo alguma manutenção física e psíquica, sem que nos cruzemos com ninguém. No terreno existe alguma relva que necessita de ir sendo cortada, algumas plantas rasteiras, algumas árvores que também precisam de manutenção, o que nas atuais circunstâncias até é bom... mesmo para quem, como eu, não tem nenhuma apetência por essas atividades.

Entre essas árvores está uma magnólia já com alguns anos, que estava a merecer uma especial atenção, porque já estava muito alta e necessitava ser desramada, sobretudo no seu cerne, onde os ramos subiam na perpendicular, alcançando uma altura talvez exagerada. Subindo até à zona de corte, cortei as pernadas em questão.

Desci da magnólia e, apreciando o efeito do corte, verifiquei que, realmente, estava suficientemente mais baixa mas bastante desconchavada, feia de aspeto. Decidi melhorar esse aspeto cortando vários ramos mais salientes para, assim, a arredondar, que, logo, logo, ficaria mais bonita.

Para cortar ramos onde não chegava procurei servir-me do escadote. E foi quando estava a tentar cortar um que dava para estrada que o desastre aconteceu. O escadote, falso como Judas, ou mais, começou a entortar-se, a cair, devagar primeiro, mas aumentando repentinamente a velocidade da queda, e eu fui com o escadote até lá para o meio da via, o que torna este um acidente viário. E muito vário, varião, pela falta da sageza do interveniente, eu!

 Espiparrei-me no chão. E fiquei sem fôlego e com dores, na nádega direita, nas costelas direitas, no cotovelo direito, nos dedos da mão direita. Consegui levantar-me. Encostei-me ao muro da minha casa durante alguns minutos para recuperar o fôlego e fui arrumar o maldito escadote e instrumento de corte que estava a utilizar. E lá me safei desta para continuar a clausura. Mais dorido, é bem verdade...

Dizem que o vírus que nos assola, que nos devasta, que nos aterroriza, e que provoca o isolamento de tantos de nós, é um vírus democrático. Mas será que isso corresponde inteiramente à realidade?

Quando disse que tenho estado isolado na minha moradia, isso é, desde logo, um pequeno privilégio meu, relativamente a outros que vivem em apartamentos, com espaços de utilização comuns, como escadas, elevadores e parqueamentos, onde o contacto com outros é quase impossível ser evitado. Estas pessoas estarão, pois, mais expostas ao contágio.

Não falando dos sem-abrigo e dos perigos a que estão expostos, aproveitando para louvar aqueles voluntários que se disponibilizaram, em missão solidária, para deles tratarem; nem dos utentes dos lares, tâo frágeis e vulneráveis apesar dos cuidados com que têm vindo a ser tratados pelos profissionais destas instituições.

Falemos também, por exemplo, de compras. Sim porque as pessoas não podem deixar de comer... Neste aspeto sabemos que há os que sabem comprar por internet, sabem e podem, porque para isso têm meios, e fazem encomendas avultadas porque têm arcas frigoríficas onde conservar os produtos que lhes vêm trazer à porta. E, se não lhos vêm trazer, vão buscá-los, mas às carradas, saindo o mínimo possível. Outros há que não têm nem internet, nem arcas, nem dinheiro... E esses têm portanto que sair mais vezes para irem comprando o que podem, sendo por isso mais vulneráveis ao contágio.

Expostos ao contágio estão permanentemente médicos, enfermeiros, e outros que lidam diariamente com a doença, apesar dos equipamentos de proteção que devem usar. Estas pessoas são, sem sombra de dúvida, dignas da nossa admiração, do nosso apoio, do nossa agradecimento.

Não vou insistir nesta tónica, porque acho que já consegui lançar alguma confusão nos espíritos sobre a democraticidade do vírus. Afinal é só essa a minha intenção, porque sei que a confusão leva à reflexão que fará nascer a luz... Em jeito de síntese, vou dizer que ele, o vírus, quer ser democrático e contagiar a torto e a direito, mas não pode, e ainda bem, devido às circunstâncias de cada qual. Às circunstâncias e às atitudes mais ou menos corretas. Contagia os que apanha a jeito, independentemente do escalão que ocupam na pirâmide social, disso não tenho dúvidas. Só que alguns estão naturalmente muito mais a jeito do que outros... Se falarmos sobre os efeitos do contágio, então, não nos restarão dúvidas de que os resultados continuam a provar que a velha relação mar, rocha e mexilhão continua a existir. Em suma, é bom que o comportamento de todos  seja o de evitar pôr-se a jeito. Cumprir à risca as regras que a nossa democracia nos dita é o melhor remédio contra este vírus,  que dizem ser democrático, que vai pondo a nu bastantes desigualdades.

Apenas mais umas palavras para falar do contágio do primeiro-ministro do Reino Unido, ele que, numa primeira abordagem, até terá desvalorizado os efeitos do vírus, acabou por ser contagiado e esteve à beira de ser vítima da gadanha da covid 19. Se o tivesse sido , não seria como a grande maioria, mais uma vítima ilustre desconhecida, claro que não... Não morreu, e ainda bem, porque, segundo ele próprio disse, já em isolamento numa mansão de férias no campo, no hospital médicos e enfermeiros, de entre os quais fez questão de salientar um português, o Luís, tudo fizeram para o manter vivo. Será que Boris Johnson não irá pensar duas vezes, ou pelo menos uma, que talvez não tenha sido assim tão boa a ideia de  levar o Brexit avante, quando, afinal, quem o salvou foram médicos e enfermeiros da União Europeia?...

Já agora, e porque me parece vir a talho de foice, quando o mesmo primeiro-ministro inglês põe Portugal fora dos corredores aéreos, incluindo nos mesmos países cuja situação pandémica é claramente pior do que aquela que este país à beira mar plantado tem vivido, estará a meter na gaveta a aliança anglo-portuguesa e o tratado de Windsor? Os nossos reis que assinaram uma e outro, respetivamente,  o formoso e o grão-mestre de Avis, devem dar voltas de desassossego sob as funéreas lousas...

J.D.

 

quarta-feira, 15 de abril de 2020


A população da região norte é mais afectada pela Covid 19 por ser “menos educada”, “mais pobre e envelhecida” e por estar “muito concentrada em lares”.

É esta a frase de todas as polémicas, no momento actual. Ela foi visionada num jornal da noite da TVI e, de imediato, provocou uma onda de contestação, de revolta, de acusações de portofobia  por parte de entidades e gente do Norte.
Eu que, não sendo propriamente do Norte, sou de uma certa zona da Beira Alta, onde, felizmente, até agora, ainda não há registo de casos de contágio, o que me inclina a deduzir que os motivos apresentados na frase não são os que melhor justificam o grande número de afectados, não me quero arvorar em defensor da TVI mas, sinceramente, não considero que esta frase seja tão grave, ao ponto de, na TVI, ter criado tanta preocupação, tanto sentimento de culpa, tanta necessidade de vários, entre os quais, jornalistas e chefe de redacção, se penitenciarem, com tantos “mea culpa” quase excruciantes.
Passo a apresentar as minhas razões para esta minha inócua opinião. A frase em questão foi produzida no âmbito de uma investigação que tentava de alguma forma justificar o enorme número de casos de Covid 19, na Região Norte. E entre outras razões a jornalista responsável pela investigação, para a qual até entrevistou especialistas, achou por bem apresentar também aquelas que constam na tal que acabou por se tornar numa frase de lesa-majestade.
Afinal, vejamos, a frase, em si, se não contiver mentiras, por outras palavras , se o que a frase contém são afirmações que podem ser fundamentadas em números, não é líquido que  possa ser considerada veículo de tamanhas ofensas, até porque a TVI , como qualquer órgão de comunicação de massas, tem todo o direito de informar, ainda que essas informações possam não ser do agrado de todos, ou de ninguém.
Explicando melhor, direi que é fácil apresentar números no que diz respeito à concentração em lares e no que concerne à população mais envelhecida; um pouco mais difícil para a população mais pobre, mas também não impossível. Tenho a impressão de que a real fonte do problema está, essencialmente, na expressão “menos educada”, que deve ter gerado reacções do tipo “então lá na TVI estão a considerar os do Norte mal educados?Mas o que é isto?”
Parece-me, a mim, que não é nessa acepção que a palavra educada é utilizada, mas antes no sentido de nível de escolaridade, o qual, por sinal, até se adquire no sistema educativo. Nesta acepção, a expressão “ menos educada” também é quantificável, pelo que se pode verificar se a afirmação é verdadeira ou falsa...
Sendo assim, se a afirmação puder ser suportada por números que a fundamentem, sinceramente, não vejo motivos para tanta indignação, tanto alarido e tanta penitência!
Continuo, dizendo algo que me parece muito difícil de rebater: as assimetrias continuam a existir, quer queiramos que sim quer queiramos que não, e eu até sou dos que  quereria que não, se isso dependesse da minha vontade! Podem notar-se,  mais ou menos esbatidas, de uma aldeia para outra, até dentro do mesmo concelho, de um concelho para outro, de um distrito para outro, de região para região, da Capital para a Invicta, da Invicta para os concelhos limítrofes e outros mais afastados... Tomando como exemplo o núcleo populacional mais pequeno, cada aldeia, comparando-a com outra, terá mais ou menos ricos ou, dito de outra forma, menos ou mais pobres, mais ou menos idosos - feriria, certamente, susceptibilidades se tivesse dito velhos e, por isso, não o disse - mais ou menos letrados. Os números só serão idênticos em casos de meras coincidências.
Para terminar estas reflexões sem leste, ás apalpadelas por via de uma certa bússola que não bussola, assumo que a jornalista poderia ter pensado duas vezes antes de construir a frase que para tantos se tornou maldita... Até porque, com uma grande dose de certeza, essas razões até não têm peso bastante para servirem de prova irrefutável. São apenas premissas que não podem levar a uma conclusão segura.



terça-feira, 7 de abril de 2020


coronabrincando. com

Neste período, tão negro,

o medo da morte é real.

Este vírus é medonho,

medonho e muito letal!

Bicho é

que não tem pés

mas anda com os nossos passos,

 se ele vai bem,

nós vamos mal!

Evita o passo fatal!

Sim, pelos passos mal dados,

os incautos serão coronados.

Vamos dar passos seguros!

E aplacaremos o medo

e estaremos no futuro.

Sejamos, pois,  precavidos

e não facilitemos.

A proteção está em casa,

em casa fiquemos.

Porém, não façamos da casa

um museu cheirando a mofo.

Abramos várias portadas

para entrarem o céu e o ar,

a montanha e o mar,

em grandes baforadas.

Mas, sair... não ainda !

Ainda não é a hora

do bucólico, lá fora.

Espera, por isso,

um pouco mais agora.

Agora é a hora

do épico caseiro.

Fica em casa, resiste!

Protege-te o tempo inteiro.

Evita reuniões,

contactos,

aproximações.

E quando acabar este tempo

de ausência, de clausura e  dor

privações e sofrimento

enfim, sairás!

E verás

o jardim-Terra,

sistematicamente ignorado,

agredido, mal tratado,

a respirar melhor!

E as cidades,

sem capacete, livres da poluição!

 E a natureza

em regeneração!

Então,

sim! Será a hora

do poema  lá fora!

 

J.D. abril 2020